Morar Sem Banheiro Não Dá!
Categorias: Projeto

Onde:

Vila Pedreira, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Quem faz:

Arquitetura Humana, Engenheiros sem Fronteiras

Ano:

2020

A pandemia escancarou a realidade desigual das cidades brasileiras, ao mesmo tempo que conectou dois direitos que precisam estar em diálogo constante para garantir o bem estar e a qualidade de vida das pessoas: saúde e moradia. Enquanto os órgãos de saúde orientavam o isolamento e a permanência em casa, milhares de famílias no Brasil ou não tem casa, ou a casa que dispõe não estão em condições adequadas de moradia. Os dados da Fundação João Pinheiro indicavam, em 2019, um déficit habitacional de 6 milhões de domicílios e outros 25 milhões em condições inadequadas. Dentre a inadequação, está a ausência de banheiro. Segundo os dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2,8% da população brasileira não tem acesso a um banheiro exclusivo.

O projeto Sem Banheiro Não Dá, nasce com o objetivo de incidir sobre essa realidade na cidade de Porto Alegre, fomentado pela organização não governamental Habitat para Humanidade que mapeou e articulou parceiros em todo território nacional para reformar banheiros com recursos subsidiados. Na cidade de Porto Alegre seus parceiros foram a organização não-governamental Engenheiros sem Fronteiras e o escritório Arquitetura Humana. Juntas, essas organizações, articuladas em rede, buscaram arranjos de trabalho que, diante da emergência, contribuíram para a melhoria da qualidade de vidas das populações mais empobrecidas. Em Porto Alegre, foram contempladas 15 famílias na Vila Pedreira.

A Vila Pedreira conta com aproximadamente  1.200 famílias, sendo que 80% das casas são de alvenaria. O abastecimento de água da comunidade não é regular, visto que em vários pontos do território a água é fraca e com falhas de abastecimento. Mobilizados e seguindo as diretrizes nacionais da ação que foi coordenada nacionalmente pela Habitat para Humanidade, Engenheiros sem Fronteiras e Arquitetura Humana organizaram a sua ação a partir de um diagnóstico multiescalar, que  desde o território até a unidade habitacional, buscou as informações sociais, econômicas e técnicas que subsidiaram a seleção das 10 famílias beneficiárias. Dentre os critérios de seleção, estavam a renda e a presença de mãe solo. O processo foi organizado em 5 etapas: (i) diagnóstico territorial, (ii) mapeamento de vulnerabilidade; (iii) seleção das famílias; (iv) elaboração de projetos, orçamentos e contratação de mão de obra, (v) execução das obras e prestação de contas;.

O Diagnóstico Territorial

O trabalho de campo, priorizou um olhar atento às condições habitacionais em relação ao território e foi conduzido, desde o inicio, em parceria com Associação de Moradores Força Maior da Pedreira – AMFOMAP. Do conjunto de informações sociais e físicas, foram selecionadas as famílias beneficiadas com o projeto que foi estruturado em 02 fases de atendimento, sendo a primeira contemplando a reforma de 10 banheiros.

Com recursos limitados, arquitetos e engenheiros, precisaram elaborar um diagnóstico preciso para subsidiar a definição das prioridades de intervenção em dialogo com os desejos e as expectativas das famílias. Como resultado, o projeto contou com intervenções que, embora focadas na unidades sanitária, foram tão diversas quanto as especificidades e dificuldades de cada família.

Mapeamento de Vulnerabilidade

Em alguns poucos casos o banheiro foi produzido do zero. Em grande parte dos casos foram colocados reservatórios e substituídas as redes de abastecimento e peças sanitárias. O grupo contou com doações de materiais de construção, louças, metais e material elétrico. Comparativamente às ações que ocorreram em outros estados, pode ser destacada a diversidade da demanda das famílias segundo a sua realidade regional e cultural. Diferentemente dos estados do norte e nordeste, que o acesso à agua é um problema importante, em Porto Alegre, emergiu do diagnóstico, a precariedade das instalações elétricas, agravadas com as baixas temperaturas. E nesse sentido, o recurso empregado nas intervenções, para além de olhar para as questões de abastecimento e acesso à água, precisou intervir nas instalações elétricas de modo a mitigar os riscos.

Seleção das famílias

A seleção das famílias foi feita a partir de critérios de vulnerabilidade pré estabelecidos pela Habitat pela Humanidade. As diretrizes dadas pela organização serviram de base para a elaboração do instrumento de pesquisa que foi utilizado pelos arquitetos e engenheiros para a coleta de dados sociais em campo. Assim, a equipe visitou as famílias pré-indicadas pela Associação de Moradores, verificando as condições da moradia, em especial das unidades sanitárias, de modo a identificar requisitos de avaliação das condições e da viabilidade de realizar as intervenções e realizando uma entrevista com os moradores de modo a avaliar as condições sociais.

Em termos de resultado, a renda mensal das famílias, em média, não excedeu dois salários mínimos, predominando a reciclagem como fonte primária de subsistência. Foram priorizadas as famílias chefiadas por mãe solo e pessoas com necessidades especiais. As reformas selecionadas na primeira etapa, contemplaram um ou mais itens de instalações hidrossanitárias, elétricas, revestimentos, louças e reservatórios.

Elaboração de Projetos

Com a identificação das demandas, a equipe partiu para a elaboração dos projetos, documentos de referência importantes, tanto para a orçamentação quanto para orientar a execução que for realizada a partir da contratação de mão-de-obra local. O recurso disponibilizado por unidade sanitária, contemplava os custos de material, mão-de-obra e assistência técnica. Dada a variedade das intervenções, os orçamentos também variaram e em muitas situações, as doações viabilizam a entrega de um produto mais completo.

Execução das Obras e Prestação de Contas

O cronograma para a execução das obras também foi definido pela organização promotora. Foi um cronograma apertado que exigiu da equipe disciplina e precisão na condução do processo de execução das obras. Ao final do processo, após a entrega da obra para a família, foram elaborados relatórios narrativos e financeiros de prestação de contas e meses depois, a Habitat para Humanidade, fomentadora da ação em nível nacional, promoveu um encontro entre todas as iniciativas que se envolveram  com os projetos promovidos durante a pandemia, com o objetivo de manter a rede ativa e em defesa de uma arquitetura para todos e todas.

O grave quadro das desigualdades sociais e territoriais exige profissionais voltados e habilitados ao atendimento destas demandas que são urgentes. Para atendê-las, além da elaboração de projetos, arquitetos e engenheiros, precisam operacionalizar seus conhecimentos em contextos diversos, como mostrou a emergência sanitária e a crise econômica deste período. Precisam além de calcular, ajustar orçamentos e coordenar canteiro de obra, precisam  fazer mobilizar atores, recursos e atuar politicamente no sentido de promover o acesso à arquitetura e urbanismo e á todas as outras disciplinas e profissionais que são indispensáveis para a garantia do direito à moradia e promoção de cidades mais justas.

Equipe de Trabalho

Texto: Karla Moroso
Edição: ArqPop
Fonte: Arquitetura Humana; Engenheiros sem Fronteiras
Fotos: Julia Antunes, Karla Moroso, Luiza Maia
Mais Informações: https://www.instagram.com/arquiteturahumana/
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