Cooperativa Dois de Junho

Onde:

Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Quem faz:

Arquitetura Humana

Ano:

2018 - 2022
Joana Berwanger / Sul21

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,2010), existem aproximadamente 40 mil imóveis em estado de abandono em Porto Alegre, sendo que cerca de um quarto deles estão localizados próximos ao Centro. Tratam-se de imóveis que recebem toda a infraestrutura urbana custeada pelo Estado e que estão em desacordo com a Constituição Federal, por não cumprirem sua função social.

Neste contexto, destaca-se a história da Cooperativa de Trabalho e Habitação Dois de Junho, que está há 20 anos ocupando um edifício na Avenida Borges de Medeiros no Centro de Porto Alegre, que pertence ao Estado do Rio Grande do Sul e que antes de ser ocupado esteve vazio por quase 10 anos.

O prédio foi ocupado no final da década de 90 pelas mulheres dos policiais da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, em protesto às condições de trabalho, salários atrasados e implicações deste quadro na garantia do direito à moradia das famílias. Desde a ação da ocupação, o diálogo com o proprietário do prédio foi tenso e desenvolvido por via judicial. Após 18 anos de tramitação, as famílias perderam a ação judicial em todas estâncias, sendo decretada a reintegração de posse em 2018.

Diante deste cenário, as mulheres da ocupação buscaram o apoio das entidades e movimentos populares para evitar o despejo e traçaram uma estratégia: buscar uma mesa de negociação com o Estado do Rio Grande do Sul. Para tanto buscaram apoio tecnico para construir uma proposta viável economicamente e segura do ponto de vista estrutural da edificação. Também necessitavam de uma assessoria jurídica instuituir uma associação ou cooperativa, de modo a dar um caráter mais institucional para suas ações. Nesta perspectiva contratam o AH! Arquitetura Humana, e fundam a Cooperativa de Trabalho e Habitação Dois de Junho. Inicia-se assim, um trabalho de ATHIS voltado para as resistências, em defesa do direito à moradia e contra os despejos. A Assessoria técnica realizou levantamentos, reuniões e oficinas junto aos moradores de modo a elaborar um diagnóstico da situação do prédio e um perfil socioeconômico dos moradores.

Este diagnóstico permitiu a constatação de alguns aspectos muito importantes: a) a complexidade da situação dos moradores diante da insegurança da posse, além de todos os riscos inerentes à precariedade das instalações prediais; b) há grande diversidade de usos e de composições familiares; c) existência de forte sentimento de pertencimento e apego às relações de vizinhança; d) forte atuação feminina na liderança do movimento, a organização das famílias é coordenada por 3 mulheres, sendo 2 moradoras que habitam o prédio desde a sua ocupação. Ele foi a base para se construir, coletivamente, uma estratégia  de intervenção física no prédio que garantisse moradia para todos os ocupantes dentro dos princípios de habitabilidade, funcionalidade, acessibilidade e sustentabilidade.

A partir do projeto arquitetônico, e dos estudos técnicos que mostraram a sua viabilidade, foi elaborada uma proposta de aquisição do prédio por parte dos moradores, considerando diferentes cenários, dentre eles a REURB, utilizando as ferramentas jurídicas existentes na legislação e, de modo complementar, as possibilidades financeiras de acordo com a capacidade de endividamento dos moradores e sempre atentos às alternativas possíveis a partir das políticas públicas, bastante escassas durante o processo vivenciado pela Dois de Junho. A proposta foi apresentada e debatida em  23 audiências de Mediação realizadas no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul durante os anos de 2021 e 2022.

Além da assessorias técnica e jurídica, a Cooperativa Dois de Junho, buscou apoio junto aos movimentos populares, como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM e outras articulações de escala local e nacional, como o Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU e a Campanha Despejo Zero, com o objetivo de dar visibilidade à sua situação, tensionar as instituições do Estado e avançar na garantia do direito à moradia das famílias. A assessoria técnica da Cooperativa se fez presente em todas as audiências de mediação e acompanhou a direção da cooperativa em todas as agendas públicas e institucionais que envolveram os assuntos relacionados à moradia.

O processo vivido pela Cooperativa Dois de Junho, mostra a importância da arquitetura e do urbanismo para a defesa do direito à moradia e promoção de cidades mais justas.

Texto: Karla Moroso

Edição: ArqPop

Fotos: Capa: Joana Berwanger – Sul21 e Acervo Arquitetura Humana