O Projeto Nenhuma Casa sem Banheiro: um relato de experiência

Onde:

Canoas, Rio Grande do Sul

Quem faz:

Evelise Both e Josiane Scotton

Ano:

2022 e 20223

No contexto brasileiro, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS – 2020), quase 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e aproximadamente 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto. No Estado do Rio Grande do Sul, o Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou que 11 mil residências não possuem uma unidade sanitária completa. Porém dados mais recentes apontam que esse número mais que dobrou. Um levantamento realizado em 2020 pelo Comitê de Dados ligado à secretaria de Planejamento, Governança e Gestão estima um déficit sanitário de 26.839 famílias com moradias sem banheiro no estado  (Suptitz, 2021).

Segundo dados da Fundação João Pinheiro as necessidades habitacionais no estado estão relacionadas principalmente à falta de escoamento regular do esgotamento sanitário domiciliar, sendo o maior problema de infraestrutura urbana no Rio Grande do Sul, afetando cerca de 38,5% das residências (FJP, 2015). Além disso, outras carências de infraestrutura urbana como a de abastecimento de água e coleta de lixo domiciliar também fazem parte desse contexto.

É sabido que desde 2008 a Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, Lei 11.888 de 2008, busca assegurar às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto na Constituição Federal do Brasil (1988). Desta forma, considera-se que ela representa uma alternativa a essa parcela da população, que tradicionalmente constrói sua moradia com recursos próprios a partir da autoconstrução[1] e sem a devida orientação técnica.

A partir dos dados explicitados e do advento da pandemia da Covid-19 a questão sanitária passou a ter ainda mais urgência. Em 2020 em meio a pandemia, aconteceu a atualização do Novo Marco Legal de Saneamento, Lei 14.026 de 2020, concentrado em pontos para a abertura do setor para o capital privado, e não na garantia do Direito Humano à Água e ao Saneamento, ODS 6 da Agenda 2030 da ONU. Nesse contexto, no mesmo ano, o Conselho de Arquitetura do Estado do Rio Grande do Sul – CAU/RS – desenvolveu o projeto Nenhuma Casa sem Banheiro, um projeto especial dentro do programa Casa Saudável, que ainda em 2020 começou a ser implementado nas cidades gaúchas de Santa Cruz do Sul, Lajeado e Caxias do Sul.

O projeto Nenhuma Casa sem Banheiro é uma iniciativa que tem como objetivo promover melhorias sanitárias relativas às necessidades básicas de saneamento, relacionadas ao uso da água, à higiene e ao destino adequado dos esgotos domiciliares. Tal iniciativa visa a promoção da saúde por meio da qualificação da habitação e do seu entorno.

Em dezembro de 2021 o CAU/RS firmou um Termo de Cooperação com a Secretaria Estadual de Obras e Habitação (SOP/RS) para a implementação do projeto em toda a região Metropolitana de Porto Alegre, sendo Charqueadas e Canoas as cidades em que o projeto está em andamento atualmente, e Porto Alegre a cidade mais recente a aderir ao projeto.

Para dar início ao programa, a seleção das(os) profissionais foi feita por meio de um edital de credenciamento organizado pelo CAU/RS e posteriormente foi realizado um sorteio para definição dos profissionais habilitados a atuar em cada um dos municípios. Dos municípios onde o projeto está em andamento atualmente, Canoas é a cidade com maior adesão por parte da prefeitura.

Em Canoas o projeto Nenhuma Casa sem Banheiro vai atender 359 famílias, e foi dividido em duas etapas: sendo 180 famílias dos bairros Guajuviras e Niterói na primeira etapa, e 179 famílias dos bairros Mathias Velho, Harmonia, Mato Grande, Fátima e Rio Branco na etapa final.

A implementação do projeto passa por algumas fases internas à prefeitura municipal antes de chegar às arquitetas e arquitetos e urbanistas. A seleção das famílias é feita através de levantamento e identificação por parte dos agentes comunitários municipais a respeito das famílias que necessitam de um novo banheiro. Na sequência, um técnico da Secretaria Municipal de Habitação faz a verificação das condições de moradia das famílias e se elas se enquadram nas premissas do programa.  Segundo Odavir Júnior, técnico da prefeitura municipal de Canoas que acompanha o desenvolvimento do programa no município, “alguns dos critérios utilizados para a verificação são: o imóvel estar em área regular ou passível de regularização, estar fora de regiões de risco: sob fios de alta tensão ou próxima a rios e ferrovias. Os contemplados, sem exceção, vivem na linha de pobreza ou extrema vulnerabilidade”.

Somente a partir da terceira fase do programa acontecem as visitas da(o) profissional arquiteta(o) e urbanista. Durante as visitas, as(os) profissionais são acompanhadas(os) por supervisores também arquitetos e urbanistas e por técnicas(os) da prefeitura municipal que fazem a interlocução com os moradores. Nesta etapa as arquitetas e arquitetos contratados pelo CAU/RS realizam o levantamento das condições da moradia, do local, bem como uma identificação junto aos moradores quanto aos desejos da família para a implantação do novo banheiro, sempre acompanhados por um supervisor.

No caso do município de Canoas, cada arquiteta e arquiteto credenciado trabalha com base em um projeto padrão apresentado pela prefeitura. Esses protótipos sugerem um modelo tradicional e uma opção de módulo adaptado para PNE. Tais módulos serviram para a orçamentação da obra e devem ser adaptados pela(o) profissional à realidade encontrada em cada local. Os projetos tem um prazo de 30 dias para ser entregues, contados a partir da visita técnica e, ne sequência, seguem para a aprovação junto à Secretaria Municipal de Habitação. A partir dessa entrega as arquitetas e arquitetos podem iniciar a segunda fase e prosseguir com as novas visitas.

Os projetos da primeira etapa de visitas já foram entregues e estão em posse da prefeitura municipal de Canoas aguardando o início das execuções. A empresa que fará a execução das unidades sanitárias foi selecionada por meio de licitação e as execuções dos projetos referentes à primeira fase devem iniciar no mês de novembro de 2022. Neste momento está em andamento a segunda etapa do projeto, com previsão de entrega dos projetos até o mês de novembro e execução a partir do mês de dezembro. É intenção da prefeitura municipal de Canoas finalizar a execução dos 359 módulos sanitários ainda no ano de 2022.


Ficha Técnica:

  • Texto: Evelise Both e Josiane Andreia Scotton
  • Fotos: Evelise Both e Josiane Andreia Scotton

Referências:

[1] Dados sobre a construção informal no Brasil: a pesquisa DataFolha-CAU/BR de 2015,  revela que 85% da população que reforma ou constrói por conta própria não contrata profissional tecnicamente habilitado. (Instituto DataFolha, 2015).

BOFF, Tiago; ECKER, Aline. “Não tomo banho de chuveiro há 20 anos”: projeto que constrói banheiros de graça atende 1,8 mil famílias no RS. Gaúcha ZH, Porto Alegre, 19 set. 2022. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2022/09/nao-tomo-banho-de-chuveiro-ha-20-anos-projeto-que-constroi-banheiros-de-graca-atende-18-mil-familias-no-rs-cl88q8lbf002301791cr6brh0.html. Acesso em: 13 out. 2022.

BRASIL. Lei n.º 11.888, de 24 de dezembro de 2008. Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social altera a Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005. Diário Oficial da União.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11888.htm. Acesso em: 13 out. 2022.

BRASIL. Lei n.º 14.026, de 15 de julho de 2020, Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Diário Oficial da União.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm. Acesso em: 13 out. 2022.

CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO RIO GRANDE DO SUL. Arquitetos e urbanistas assinam contrato para realizar projetos do Nenhuma Casa sem Banheiro. Rio Grande do Sul, 02 mai. 2022. Disponível em: https://www.caurs.gov.br/arquitetos-e-urbanistas-assinam-contrato-para-nenhuma-casa-sem-banheiro/. Acesso em 13 out. 2022.

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Nenhuma Casa sem Banheiro: primeiros projetos entregues à Secretaria de Habitação de Canoas. Rio Grande do Sul, 03 out. 2022. Disponível em: https://www.caurs.gov.br/nenhuma-casa-sem-banheiro-primeiros-projetos-entregues-a-secretaria-de-habitacao-de-canoas/. Acesso em: 13 out. 2022.

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CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO RIO GRANDE DO SUL. Canoas – Reportagem SBT. Instagram: @caursoficial. Disponível em: https://www.instagram.com/reel/CjGX_tVAPsB/?hl=pt-br. Acesso em: 13 out. 2022.

CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO RIO GRANDE DO SUL. Canoas – Reportagem TVE. Instagram: @caursoficial. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CjS_L3Ngi5D/?hl=pt-br. Acesso em: 13 out. 2022.

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